"Ela estava cansada da injustiça e do descaso ao qual era submetida todos os dias. Cansada do desrespeito, só porque todos ainda a consideravam uma criança, ela não podia ter voz, não podia ter opinião. Cansada, pois se um turbilhão de sentimentos a acometia, era crise de "aborrecente".
Como eles ousavam tratá-la como uma garota mimada que não sabia de nada? Como ousavam a chamar de doente ou de dizer que a dor era inexistente? O que ela mais queria era sair daquele lugar, ir para bem longe e nunca mais ser encontrada.
Passou a fazer planos e contar os dias para o dia de sua liberdade. Não percebeu, porém, que ao fazer isso acabou por criar um mundo só seu. Um refúgio. Já não era mais atingida pelo que vinha de fora, havia ficado entorpecida.
Um dia, num pequeno momento de lucidez, percebeu o que estava acontecendo. Decidiu então que queria voltar a sentir. Viu um objeto afiado e não pensou duas vezes, se cortou para se assegurar de que ainda estava viva, de que ainda poderia sentir. No entanto, ela não contava com a avalanche de sentimentos que viria em seguida. Se cortou loucamente, um corte para cada sentimento.
Um corte para a solidão.
Um corte para a tristeza.
Um corte para a impotência.
Um corte para o desespero.
Um corte para a raiva.
Um corte para o ódio.
Um corte para sentir a vida.
Um corte para contemplar a morte.
Muitas lágrimas para lavar o sangue e esquecer."
Automutilação ou Cutting como é falado em inglês, é um distúrbio silencioso. Eu mesma sei bem. O texto acima é um relato de como eu comecei com isso e o por quê. Cada pessoa tem um motivo diferente que a leva à uma atitude dessas, mas creio que o sentimento seja mais ou menos o mesmo. O de querer amenizar uma dor com outra maior. E o objetivo é o mesmo, o de curar a dor da alma. A automutilação ou cutting, é um distúrbio que afeta vários adolescentes e alguns continuam com isso depois de adultos. Quem quiser saber mais sobre isso, tem vários textos pela internet falando sobre o assunto. Por isso, não vou falar de estatísticas, ou das causas, ou dos riscos, ou da cura. Hoje, estou aqui pra falar da minha experiência. Até hoje, apenas 3 pessoas sabiam disso. Uma descobriu sem querer, que foi minha mãe, as outras duas eu mesma que contei. É uma coisa que não é fácil de se contar. Tenho vergonha? Sim, tenho. Mas quero colocar a vergonha de lado e assim quem sabe poder ajudar alguém que esteja sofrendo com esse problema. Comecei a me auto-flagelar quando tinha 14 anos. Eu pegava uma lixa de unha mesmo e lixava a pele do meu rosto em vários pontos, mas principalmente no canto inferior da boca, assim, quem perguntasse, eu dizia que havia tropeçado e caído. Geralmente, quem se machuca de propósito o faz em lugares escondidos. Eu me machucava onde todos podiam ver porque o que eu queria era sentir que as pessoas se preocupavam comigo. Queria atenção. Aos 16 anos, a coisa já ficou mais séria. À essa altura já havia me afastado de todos, atenção já não era mais o que eu procurava, pouco me importava. Comecei então a me cortar com gilete em lugares do corpo que ficavam escondidas debaixo das roupas. Quero deixar bem claro aqui, que o objetivo de quem se corta, não é o suicídio. Quem quer morrer se mata de uma vez, não fica nessa lenga-lenga de corta aqui, corta acolá. Enfim, me cortar dava um alívio momentâneo, mas um corte só não adiantava, eu tinha que me cortar várias vezes pra sentir mesmo a dor física e esquecer da dor psicológica. Só que é uma faca de dois gumes, pois na hora você se esquece, mas no outro dia quando vê as marcas, outros sentimentos nada agradáveis aparecem como por exemplo, a vergonha, a covardia, a fraqueza. Eu não sei qual é o remédio para isso, pois quando minha mãe descobriu ela escolheu ignorar a situação, talvez por falta de informação, por sentir que não podia me ajudar, sei lá. E confesso que hoje em dia, não sei se estou curada, hoje em dia, quando me sinto muito frustrada, tenho que fazer uma força enorme pra não me cortar, carrego cicatrizes pelo corpo que me ajudam nessa tarefa. Mas é difícil. Por isso eu digo, se você conhece alguém que está passando por isso, não ignore, mas também não repreenda. Converse e se precisar busque uma ajuda médica. Fora aquelas pessoas que sempre comentam no meu blog, eu não sei quem mais passa por aqui, mas se de repente alguém que esteja sofrendo com isso, ou conhece alguém nessa situação, se quiser conversar comigo eu vou estar de braços abertos. Muitas vezes é difícil aceitar conselhos de quem nunca passou pelo que nós estamos passando, o sentimento é "do que essa pessoa sabe? ela não sabe de nada!" Pois aqui estou eu, mostrando a minha verdade escondida por vários anos. As vezes mesmo passando por uma situação parecida com a da outra pessoa é difícil ajudar, mas eu quero tentar. Pelo menos ser alguém para escutar.
5 comentários:
Ameeei! Tô indicando você. bjss
Thayla querida!
Fiquei deveras sensibilizada com seu texto exposição e não teria muito mais o que falar do que nosso amigo Alexandre deixou aqui, ou seja, uma boa análise será o ideal, não deixe de procurar esta ajuda, ainda é tempo.
E se precisar de um ombro amigo, palavras a qualquer hora, conte comigo, aliás conte com aqueles que te leem e agora te admiram mais ainda.
Você é linda!
um beijo grande carioca
É uma pena que eu só tenha tido acesso a esse texto e a essa sua experiência hoje. Há alguns anos atrás conheci uma menina que também cortava os próprios pulsos e eu não fazia idéia do porquê. Eu tentava conversar com ela, tentar entender o que ela sentia para dar algum tipo de apoio. Eu não entendia o que era a automutilação e não fazia idéia nem que isso existia antes de conhecê-la. Eu tinha só 15 anos e ela 13. Eu ficava preocupada, mas não tinha muito como ajudar, até que convenci os pais dela a levarem ela a um pisicólogo.
Eu nem me lembrava mais dessa história até ler esse texto. Isso me fez pensar como o ser humano é complexo, e como nos deixamos levar pelas sensações que o corpo no proporciona. Me fez pensar que não podemos julgar nada nem ninguém porque não temos idéia da causa do problema e nem do que ela esteja passando. Como é importante saber das experiências dos outros, e ver que na maioria das vezes, nós mesmos somos os culpados pelo mal estar e infelicidade dos outros...
Obrigada por dividir isso!
Beijo!
Oi, Thayla!
Louvável essa sua iniciativa. Só quem vivenciou um problema é capaz de saber o que a outra pessoa está sentindo.
Gd abraço
Socorro Melo
Oi Thayla!seu blog eh o maximo!sabe eu ja passei por isso tbm...estou curada mas as marcas ficaram e me sinto mal por elas...queria conversar com vc sobre isso..
bjoss
Lu.
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